Lula: as eleições, as verdades únicas e a intolerância

-

Bruno Bertotto
Bruno Bertotto.

Todo Brasil acompanhou ontem, 04 de abril de 2018, a análise em plenário pelo Supremo Tribunal Federal de Habeas Corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentando evitar sua prisão em 2ª instância e outras matérias de ordem. Por momento, a atenção nacional dispensada sobre o caso fez com que a política se tornasse uma partida de futebol, inclusive com torcidas. A Justiça há de ser maior que isso.

Há um problema nos moldes passionais e acalorados que o brasileiro estabeleceu para acompanhar a apreciação da matéria: a concepção ideológica deveria a todo custo superar a razão do julgado. A corrente idealizada pelo PT e outras militâncias concedem legitimidade ao julgamento somente se pelo acolhimento do impetrado. A corrente idealizada pelos opostos a Lula concedem legitimidade ao julgamento somente se pelo não acolhimento do impetrado. Um resultado proclamado excluiria o outro. Eis a falta de maturidade que encaramos a prestação jurisdicional: o lado que sucumbe sempre deslegitima a decisão e da de ombros pelos fundamentos apresentados.

Por mais horas que durem os votos dos ministros, o apaixonado não está ali para ser convencido, está ali para ouvir o que quer ouvir e pronto. Quando pontua qual o voto, se pelo acolhimento ou não, alguém prontamente refuta sua fala com indignação ignorando todo o exposto. Como dito pelo Ministro Alexandre de Moraes: “talvez pelo nobre advogado ter ficado conversando não tenha ouvido as colocações”.

Todo brasileiro (de ambas torcidas) se tornou jurista especializado em direito penal e outras matérias jurídicas que emanaram do julgamento, em menos de 11 horas.

A verdade única petista não é mais imatura que a verdade única dos extremismos antidemocráticos que ganharam voz nas redes virtuais nos dias que antecederam o julgamento. Houve quem defendia, pasmem, um golpe militar se acolhido o Habeas Corpus.

O crítico da falência moral que resulta na crise política defende uma intervenção militar e ditadura se valendo de sua liberdade de exposição de ideias assegurados pela própria democracia. Poucas concepções são tão sádicas. É um crítico do governo que quer cercear seu direito de criticar o governo. Senão sádico, é ilógico. Anos de mortes, desaparecimentos e exílios não criaram cicatrizes profundas suficientes.

Talvez os tempos realmente tenham sido tão sombrios a tal ponto de sombrear a visão daqueles que desejam a volta do poder absoluto, que controla, persegue e quando oposto, exila, assassina, censura e oculta.
A intolerância gera um mundo que não vai tolerar o que o intolerante tem por intolerável.

Respeitando aqueles que divergem, este autor entende inconstitucional a prisão em 2ª instância frente ao que versa a Constituição Federal, em seu art. 5º, LVII, independente de qual réu: se o pobre desamparado pelo processo social ou um ex-presidente da República. Porém, não é o que vem entendendo a Suprema Corte, com sede em repercussão geral. Romper o entendimento firmado acatando o HC de Lula, enquanto tantos outros foram denegados sob tal fundamento seria estabelecer um privilégio escancarado ao ex-chefe de Estado.

Existem outros meios de recolocar a prisão em 2ª instância em debate e o egoísmo inerente ao ser humano impede de ser este o mérito do que foi apreciado. Tratava-se, para muitos, tão somente do risco de ver um ex-presidente condenado por órgão colegiado ser preso.

As verdades únicas impedem de toda forma uma percepção imparcial ou que ao menos seja razoável. Aquele que se revolta contra o possível abandono da presunção de inocência de Lula, não consegue presumir inocente Romero Jucá, por exemplo. Se um é presumidamente inocente o outro também o é. Com diferenciação que o primeiro carrega uma condenação em primeiro e segundo grau. Talvez pela maior agilidade processual que um TRF tenha comparado com o abarrotado STF.

Aqueles que desejaram, ou ainda desejam, mal a democracia precisam compreender que o mérito do que foi julgado não importava diretamente a eleição. A eventual prisão não é o que impede o pleito eleitoral. E o pleito eleitoral eventualmente impedido não é o que evita a prisão. Existe a Lei Maior, existe a lei penal e existe a lei eleitoral. Embora o Direito seja permeado pela interdisciplinaridade, ela não é absoluta.

O remédio constitucional consagrado pelo Habeas Corpus poderia evitar a prisão em 2ª instância. Mas não assegurar direito de concorrer no certame eleitoral presidencial, porquanto versa a Lei da Ficha Limpa em seu art. 1º, I, “e”, a inelegibilidade do condenado por órgão colegiado. Sem adentrar o mérito das razões condenatórias, é expressamente o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A presunção de inocência que afeta o direito penal, por expressa previsão da Carta Magna, não repercute de maneira prevalecente naquilo que também é expresso pela Ficha Limpa. O condenado por órgão colegiado torna-se inelegível. Por óbvio, uma posterior absolvição por meio de outros elementos de cadeia recursal no mesmo ou outro colegiado o torna elegível novamente, o que não aconteceria em caso de trânsito em julgado.

Necessário também, a compreensão de que resultados eleitorais expressivos não constituem fundamento para exclusão de punibilidade, tampouco carta de alforria para cometimento de crimes na causa pública. Quando se promulga uma sentença condenatória penal contra corrupção, se condena o protagonista da conduta delituosa, não o ator/agente político. A ideia emana inclusive do brilhante Ministro Celso de Mello, veemente opositor da prisão em 2ª instância, que ontem foi covardemente chamado de injusto e defensor da impunidade. Cruel tratamento a quem por quase 30 anos se dedicou ao serviço público jurisdicional, de maneira honesta, isenta, imparcial e transparente.
Nenhum entendimento contrário justifica a retomada do uso da força na conquista do poder. Jamais. Acima do interesse partidário deve estar o antídoto democrático.

Pouco honroso é, contudo, a torcida pela prisão de alguém que ocupou a Presidência da República. A paixão pelo cárcere de toda forma deve ser abandonada. Apesar de demonstrar que ninguém se sobrepõe a lei, nem mesmo o Chefe de Estado, se mostra a fortaleza das instituições republicanas de direito, expõe a imaturidade democrática de quem não soube votar. Em uma democracia, o corrupto não é quem locupletou o poder, ele é a quem foi concedido, por meio do voto, o poder.

A exposta concepção não versa sobre mérito, se justa ou injusta, a condenação de Lula, mas da realidade fática. Palpitar profundamente o mérito seria leviandade grotesca de quem não acessou o teor de um processo penal complexo.

É dever das instituições do Estado Democrático de Direito criar espaço saudável para o exercício da cidadania e a recíproca é verdadeira.

*Bruno Dourado Bertotto Martins é Acadêmico de Direito da Univ. Federal da Grande Dourados.

plugins premium WordPress